21.10.11

a menina enterrada viva

Era um dia um viúvo que tinha uma filha muito boa e bonita. Vizinha ao viúvo residia uma viúva, com outra filha, feia e má. A viúva vivia agradando a menina, dando presentes e bolos de mel. A menina ia simpatizando com a viúva, embora não se esquecesse de sua defunta mãe que a acariciava e penteava carinhosamente. A viúva tanto adulou, tanto adulou a menina que esta acabou pedindo que seu pai casasse com ela.
- Case com ela, papai. Ela é muito boa e me dá mel!
- Agora ela lhe dá mel, minha filha, amanhã lhe dará fel! - respondia o viúvo.
A menina insistiu e o pai, para satisfazê-la, casou com a vizinha. Obrigado por seus negócios, o homem viajava muito e a madrasta aproveitou essas ausências para mostrar o que era. Ficou arrebatada, muito bruta e malvada, tratando a menina como se fosse a um cachorro. Dava muito pouco de comer e a fazia dormir no chão em cima de uma esteira velha. Depois mandou que a menina se encarregasse dos trabalhos mais pesados da casa. Quando não havia coisa alguma que fazer, a madrasta não deixava a menina brincar. Mandava que fosse vigiar um pé de figos que estava carregadinho, para os passarinhos não bicarem as frutas.
A pobre da menina passava horas e horas guardando os figos e gritando – chô! passarinho! quando algum voava por perto. Uma tarde estava tão cansada que adormeceu e quando acordou os passarinhos tinham picado todos os figos. A madrasta veio ver e ficou doida de raiva. Achou que aquilo era um crime e no ímpeto do gênio matou a menina e enterrou-a no fundo do quintal. Quando o pai voltou da viagem a madrasta disse que a menina fugira de casa e andava pelo mundo, sem juízo. O pai ficou muito triste.
Em cima da sepultura da órfã nasceu um capinzal bonito. O dono da casa mandou que o empregado fosse cortar o capim. O capineiro foi pela manhã e quando começou a cortar o capim, saiu uma voz do chão, cantando:

Capineiro de meu pai!
Não me cortes os cabelos...
Minha mãe me penteou,
Minha madrasta me enterrou,
Pelo figo da figueira
Que o passarinho picou...
Chô! passarinho!

O capineiro deu uma carreira, assombrado, e foi contar o que ouvira. O pai veio logo e ouviu as vozes cantando aquela cantiga tocante. Cavou a terra e encontrou uma laje. Por baixo estava vivinha, a menina. O pai chorando de alegria abraçou-a e levou-a para casa. Quando a madrasta avistou de longe a enteada, saiu pela porta afora, e nunca mais deu notícias se era viva ou morta.
O pai ficou vivendo muito bem com sua filhinha.


Luís da Câmara Cascudo

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